A interessante série Hello Tomorrow, lançada pela Apple TV em 2023, bem como as discussões acerca do Metaverso, têm chamado a atenção do público por uma razão semelhante: ambas oferecerem uma visão futurística e tecnológica de um mundo que, tal como o caviar de Zeca Pagodinho, “nunca vi, nem comi, eu só ouço falar”. Os projetos têm em comum a venda de uma realidade que, na prática, ainda não existe, e o investimento excessivo de recursos financeiros para a realização dessas utopias.
Hello Tomorrow (“Olá, Amanhã”, em bom tupiniquim), série intrigante com boas atuações, roteiro inteligente e uma estética retrô futurística brilhante, explora a ideia de que, no futuro, a humanidade poderá habitar a lua. O enredo gira em torno da exploração de espaços no satélite para comercialização e habitação de famílias. Morar na lua, segundo a ideia que é difundida pela empresa representada pelo vendedor Jack (Billy Crudop), seria o equivalente a habitar um resort em uma atmosférica paradisíaca onde ainda não há espaço para os problemas terrenos. Essa abordagem levanta questões importantes sobre a exploração comercial do espaço e a ética em relação à privatização de recursos naturais, mas não apenas isso.
O principal ponto de discussão da série dá-se no contexto da persuasão desgovernada a que os compradores são submetidos para adquirir a promessa de um futuro que, na prática, ainda não existe. Me fez lembrar, com certa vergonha, de quando fui arrebatada em intensos e manipuladores contextos de vendas das chamadas multipropriedades. O cliente adquire uma dívida que pode durar dezenas anos e cujo valor depende diretamente de índices do mercado (ou seja, trata-se de um montante, na prática, pouco previsível), pela promessa de no futuro usufruir de um imóvel que ainda não existe, em conjunto com outras dezenas de compradores.
Assim como a venda de espaços na lua (e da grande maioria dos imóveis de esquema de multipropriedade), o conceito de Metaverso é uma ideia que ainda não se concretizou na prática. O Metaverso é um universo virtual onde as pessoas podem interagir e realizar atividades diversas, como se fosse uma extensão da vida real. Nada que já não exista há, pelo menos, 20 anos. A promessa, no entanto, é de algo realista, um novo mundo a ser explorado e com altos benefícios a serem conquistados por meio de códigos refinadíssimos e fazendo uso rede mundial de internet. Essa utopia tem levado a um gasto excessivo de recursos financeiros, sem garantias de que a tecnologia necessária para torná-la realidade esteja disponível, regulamentada e, principalmente, acessível no futuro próximo.
O texto do MIT Technology Review intitulado “Metaverso virou faroeste, para tristeza de idealistas e farra dos vigaristas e especuladores” destaca que muitas empresas estão usando o Metaverso (ou o que se sabe sobre ele) para ganhar dinheiro rápido, sem se preocupar com as consequências a longo prazo. Essa exploração comercial pode levar a uma corrida desenfreada por recursos, além de gerar uma grande concentração de poder nas mãos de poucos empresários e investidores.
“Enquanto as gigantes de tecnologia sonham com um paraíso a ser desbravado (e explorado), novas companhias de tecnologia disputam uma frenética corrida para chegar primeiro e conquistar o território para lucrar o máximo e mais rápido possível” (Guilherme Ravache, MIT Technology Review)
E aí, cabe introduzir mais uma discussão: qual a real necessidade de estimular um dispêndio enorme de dinheiro, concentrando-o cada vez mais nas gigantes de uma tecnologia cujos limites ou mesmo benefícios ainda são turvos, gastando recursos que poderiam salvar vidas reais em questões frívolas como mansões e iates virtuais?
A ideia de comprar um espaço no Metaverso soa, assim como metaforiza a série retrô futurística Hello Tomorrow, como comprar o seu lote na lua, é bem verdade. Você paga tanto quanto pode dispor pelo melhor espaço de uma ideia que, na prática, ainda não existe (pelo menos não da forma como é divulgada). Sai feliz, com os bolsos vazios e as mãos abanando, para se dar conta, apenas muito depois, que financiou um conceito não validado de futuro com prazo em branco, e que, para fins de aplicação presente, apenas serviu para deixá-lo mais pobre e outros poucos mais ricos.
“Hello, Tomorrow” é uma produção altamente recomendada. Já investimentos no Metaverso, não tanto.